Tarsila do Amaral (Capivari, SP, 1886-São Paulo, 1973) é uma das maiores artistas brasileiras do século 20 e figura central do modernismo. Esta é a mais ampla exposição já dedicada à artista, reunindo 92 obras a partir de novas perspectivas, leituras e contextualizações.
De família abastada, de fazendeiros do interior de São Paulo, Tarsila desenvolveu seu trabalho com base em em vivências e estudos em Paris a partir de 1923. Por meio das aulas com André Lhote (1885-1962) e Fernand Léger (1881-1955), aprendeu a devorar os estilos modernos da pintura europeia, como o cubismo, para digeri-los e, de maneira antropofágica, produzir algo singular. É importante chamar atenção para a noção de antropofagia, criada por Oswald de Andrade (1890-1954): um programa poético através do qual intelectuais brasileiros canibalizariam referências culturais europeias com o objetivo de digeri-las e criar algo único e híbrido, além de incluir elementos locais, indígenas e afro-atlânticos.
De volta ao Brasil, declarou: “Sou profundamente brasileira e vou estudar o gosto e a arte dos nossos caipiras. Espero, no interior, aprender com os que ainda não foram corrompidos pelas academias”.
O enfoque da exposição é o “popular”, noção tão complexa quanto contestada, e que Tarsila explorou de diferentes modos em seus trabalhos ao longo de toda a sua carreira. O popular está associado aos debates sobre uma arte ou identidade nacional e a invenção ou construção de uma brasilidade. Em Tarsila, o popular se manifesta através das paisagens do interior ou do subúrbio, da fazenda ou da favela, povoadas por indígenas ou negros, personagens de lendas e mitos, repletas de animais e plantas, reais ou fantásticos. Mas a paleta de Tarsila (que serve de inspiração para as cores da expografia) também é popular: “azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante”.
Boa parte da crítica em torno de Tarsila feita até hoje no Brasil enfatizou suas filiações e genealogias francesas, possivelmente em busca da legitimação internacional da artista, mas assim marginalizando os temas, as personagens e as narrativas populares que ela construiu. Hoje, após bem-sucedidas mostras nos Estados Unidos e na Europa, podemos olhar para Tarsila de outras maneiras. Nesse sentido, os ensaios e comentários sobre suas obras incluídos na exposição e no catálogo são elementos fundamentais deste projeto. Não por acaso a polêmica pintura A negra recebe atenção especial dos autores e é um trabalho central na mostra.
Tarsila popular não busca esgotar essas discussões, que levam em conta também questões de raça, classe e colonialismo, mas apontar para a necessidade de estudar essa artista tão fundamental em nossa história da arte a partir de novas abordagens.
Esta exposição faz parte de uma série que o MASP organiza reconsiderando a noção de “popular”: desde A mão do povo brasileiro 1969/2016 e Portinari popular, em 2016, até Agostinho Batista de Freitas, em 2017, e Maria Auxiliadora, em 2018. Tarsila Popular é organizada no contexto de um ano inteiro dedicado a artistas mulheres no MASP em 2019 sob o título de Histórias das mulheres, histórias feministas. A exposição dialoga com duas outras dedicadas a artistas que exploraram a noção do popular de diferentes maneiras: Djanira: a memória de seu povo, até 19 de maio, e Lina Bo Bardi: Habitat, até 28 de julho.
Tarsila popular tem curadoria de Fernando Oliva, curador do MASP, e Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu.